sábado, 15 de maio de 2010

Menino

A criança, pouco mais velha que um bebê, menino marrom de calça três quartos, no meio da roda de outros iguais, morde a cabeça do dinossauro verde, alheio à algazarra.

Pulos e gritarias são acompanhados pelos seus sentidos, aguçada atenção, alheia à cabeça mastigada, suplício no plástico do bicho extinto.

Velho, vejo e ouço a balbúrdia, desatento a ela, o foco está no menino mestiço, traços de índio, árabe, negro e sabe-se lá quantas outras etnias. Enfim, brasileiro. Perninhas tortas de pose parada, móveis apenas olhos e mandíbula.

Como um gato frente à gaiola de periquitos coloridos, o menino marrom observa, não participa, resume-se à expectativa silenciosa, distante na proximidade.

Havia um menino assim  ele ainda se reflete na retina de trás para a frente, esconde-se no anverso do olho e vê agora seu passado tímio equilibrando-se sobre as pernas finas, dois canudinhos de juta, joelhos proeminentes e pele marrom. Os olhos veem o passado.

Se o menino, صبي, niño, curumim, pouco mais que um bebê me mirasse, não veria o futuro, não se reconheceria no velho bobalhão que o fitava por trás da resina dos óculos.

O que veria o guri? A regressão se faz de novo, busco no empoeirado bornal que carrega o passado a tiracolo as sensações de quando via um velho. Rebusco nos papéis amarelados em que escrevi longa história e não acho episódio. Não me lembro de ter visto velhos.

No saco de reminiscências procuro os velhos da minha infância de pouco mais que um bebê. Seu Luizão com quem meu pai trocava bolsilivros… O Sargento Meireles, amigo do meu velho particular, mas que não era velho como me lembro dele agora, a quem chamava de “Cajueiro”, nunca soube o motivo. O Sargento Meireles não podia ser velho, já que meu pai não era. Eram amigos da mesma idade ou quase. O padre americano, grande e arroseado nas bochechas queimadas naquele sol do Equador… Dona Maria, a primeira professora. Não, a Dona Maria estava velha quando a reencontrei nas ruas de Guajará-Mirim, trinta anos depois e era essa a memória visual que eu tinha dela. De outras professoras não lembro, se eram velhas ou não, se existiram ou foram apenas obrigações de infância. Passaram em branco.

Quase não havia velhos na minha meninice. Não tive avós perto, meus pais eram jovens para conviver com velhos. O que o menino dos joelhos de duas bolas sentiria se me olhasse continua desconhecido. Talvez sentisse carinho se ele, sortudo, tivesse avô. Talvez medo se uma babá malcriada o ameaçava com a vinda do velho do saco. Talvez indiferença se, assim como eu, não houvesse velho em sua vida.

O que eu sinto, porém, é bem claro. Sinto saudade.

 

©Marcos Pontes