domingo, 5 de abril de 2009

Comércio no Pelô

Bându e Bêngue nasceram no mesmo dia no mesmo cortiço na ladeira do Pelourinho.Os pais de Bându, Leôndia e Lucivaldo, eram lavadeira e guarda noturno; os pais de Bêngue, Carmêndia e Clodimir, eram empregada doméstica e apontador do jogo do bicho.Infância feliz tanto quanto a pobreza permitia. Baba nas ladeiras, um ou outro dólar de turista desavisado que arriscava um passeio pelo sítio histórico.Os serviços da casa saiam de graça ou na base do escambo. O eletricista, o encanador, o carpinteiro, a costureira... Todos vizinhos, compadres e amigos, quando não, irmãos. Se não havia perspectiva de riqueza, havia o conforto da casa própria e a solidariedade entre pobres iguais.Bêngue e Bându desde pequenos freqüentavam o Colégio Central com suas calças curtas de tergal e a camisa branca sempre engomadinha por mãinha Leôndia.Rapazinhos, carregavam caixas e mercadorias no Mercado Modelo e estudavam à noite no Central cada vez mais decaído.O governo, de olho grande nos visitantes estrangeiros, desapropriou os casarões e casinhas, expulsou os moradores para o subúrbio longínquo e rifou os imóveis entre seus amigos. A vendedora de acarajé, amiga de artistas famosos, ganhou um restaurante e virou estrela nacional; o sobrinho do deputado da situação que morava na Barra, ganhou o sobrado e montou um bar; o sapateiro, sem padrinhos importantes, foi afastado para um casebre na Federação.Lucivaldo e Clodimir, sem amigos influentes, preferiram voltar para Feira de Santana. Bându e Bêngue, já maiores de idade, ganhando seu próprio sustento, embora pouco, suficiente, viraram garçom e guia turístico no próprio Pelourinho.Iluminaram as ruas, pintaram as fachadas, fizeram propaganda na tevê e no exterior e os turistas apareceram em hordas. O policiamento eficaz inibiu os roubos e assaltos. Mais seguro cobrar caro no coco, no abará e na cerveja.Insatisfeitos com seus salários no lugar onde corriam euros a rodo, Bêngue e Bându partiram para o comércio seguro e protegido pela lei, o tráfico de drogas.



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3 comentários:

  1. Tchê, só posso dizer: muito bom.
    Que ótimo poder encontrar um blog com contos tão bem escritos.
    Obrigado pelas postagens, por todas as palavras, versos e narrativas que sugerem imagens maravilhosas.
    Volto mais vezes.
    Abração.

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  2. pois, lerei mais!

    adoro contos assim, naturalistas, realistas (pra vc que "gosta" de classificações.. rsrs) essa coisa meio marginal, meio romântica, tão brasil! é incrível. sem contar que me remeteu ao meu escritor preferido: aluísio de azevedo com seus mulatos, pensões e cortiços.

    ah, volto, sim :)
    beijo.

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  3. Marcos, meu Mestre, impossível não gostar de seus contos! Só o mais chato dos chatos fecharia os olhos diante de tão belo estilo literário. Continuo seu fã, seu amigo, seu discípulo. Seja nas memórias distantes de nossas conversas no Overmundo ou nos comentários de posts em Blogs. Saudades de ti, meu amigo. Abração.

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