segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Bolero

As sextas-feiras eram cruéis, lentas para Divanilma, as horas não passavam. O expediente da enfermeira não se acabava. Quando, por fim, o relógio marcava seis horas, era a primeira a bater o ponto de saída e correr para o ponto em que a espera pelo ônibus era uma eternidade.

Descia a duas quadras de casa e percorria a distância sem sentir nenhum cansaço nas pernas que trabalharam de um lado para outro durante todo o dia. Ao abrir a porta, o casaco já estava na mão, o sapato desafivelado era jogado em qualquer canto, da bolsa só retirava a carteira que transferia para outra bolsa menor, de alça fina e longa. Despia-se apressada em direção ao banho. O melhor xampu, o sabonete especial que não usava em dias de trabalho, não ficava bem uma enfermeira rescindindo a sândalo e amêndoas enquanto limpava urinóis e fazia curativos.

O perfume caro, metade do salário, a saia rodada e colorida com a blusa de seda vermelha passadas de véspera e deixadas sobre a cama antes de sair para o batente, a meia-calça sóbria e os sapatos de salto agulha que a deixavam mais alta, elegante e com leveza no andar, andar de modelo, como ela gostava de dizer.

Um olhar demorado e analítico no grande espelho. Nada podia estar errado, nem mesmo um fio de cabelo. Uma olhada no relógio de parede, havia tirado o de pulso, não achava elegante uma dama usar relógio em tais circunstâncias, além de não querer dar bola para o tempo depois que saísse.

Caminhava pelas ruas de paralelepípedos uma nova Divanilma, despertando olhares enquanto se dirigia para o baile de Valvido, onde dezenas de cavalheiros, já impacientes, a esperavam e dançavam com qualquer uma para que a espera fosse menos dolorosa. Cada um alimentava a esperança de que essa noite teria sorte de tirá-la para dançar.

Para consolo das rivais, nenhum conseguiria. Sabiam que Divanilma esperava o par perfeito, o homem com e para quem dançaria para o resto da vida.

Sua mesa à margem da pista estava pronta como sempre. Valvido a recebia na porta, consorte com sorte e vítima das invejas masculinas. A conduzia até a mesa, lhe puxava a cadeira e, célere, fazia sua cuba libre com mais cola e gelo que rum.

O passo seguinte era o cortejo dos dançarinos solicitando seu par, educadamente dispensado.

Naquela sexta-feira, porém, um homem novato no baile, desavisado da história de Divanilma, não temeu a dispensa já esperada pelos demais.

Paletó e calça brancos, camisa vermelha contrastando com fina gravata azul, sapatos pretos primorosamente lustrados, Ferizódio, encostado com os cotovelos no balcão, encantou-se com a morena desde que a viu entrar, braços dados com Valvido. Observando suas ancas balançantes e as batatas das pernas fortes e grossas equilibrando-se graciosamente sobre os saltos finos, Ferizódio percebeu o potencial do par perfeito para o bolero.

Com a ginga segura de quem sabe usar muito bem as pernas na pista, Ferizódio aproximou-se. Com exceção do bolero, silêncio total, dezenas de pares de olhos observavam sua aproximação, inclusive os de Divanilma. Os homens torciam para ela livrar-se do invasor ousado; as mulheres, enciumadas, não queriam ver mais um homem fisgado pelo charme passivo de Divanilma.

- Bela senhorita, Ferizódio, seu criado. Muita satisfação.Enquanto apresentava-se, tomava a mão da moça e a beijava.

- Tão bela dama dar-me-ia o prazer de acompanhar-me numa dança?

Dançaram juntos pelo resto da noite e há vinte anos continuam dançando todas as sextas-feiras no baile de Valvido.

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