Dagoberto, funcionário do Iate Clube, passava o dia limpando por dentro e por fora aqueles barcos milionários em troca de alguns vinténs. Sonhava em cruzar os mares pilotando o seu próprio, tendo a bem-amada Lucinda ao seu lado, abraçadinhos na ponte de comando, vendo o pôr-do-sol como nas propagandas de uísque.
Sua conta bancária, sempre no vermelho, o trazia, desanimado, à realidade.A loteria estava acumulada em muitos milhões. Embora nunca jogasse, o endividado Dagoberto foi à igreja e prometeu a São Judas Tadeu que se ganhasse sozinho aquela fortuna compraria seu iate e daria cinco voltas ao mundo sem pisar em terra firme.
O santo deve ter pensado “essa eu pago pra ver!” e deu a sorte grande ao lavador de barcos alheios.
Não demorou cinco minutos o trabalho de convencimento de Dagoberto sobre Lucinda para que ela o acompanhasse na aventura, afinal um homem de muitos milhões não pede, manda.
A bordo do próprio barco, uma lancha de duas cabines e trinta pés, lá se foram oceanos a dentro. Para não quebrar a promessa, a mulher descia nos portos para contratar os serviços de recolhimento de dejetos e comprar mantimentos. Sete meses depois da partida completavam a primeira das cinco voltas.
A aventura chamou a atenção da imprensa, que foi a bordo do “São Judas Herói” entrevistar o agora capitão em sua primeira parada em Natal.
Grandes empresários resolveram divulgar suas empresas por meio do intrépido navegante e lotearam os anos restantes. Uma rede de hotéis, uma indústria de combustíveis, outra de material esportivo e uma de telefonia móvel revezavam-se no financiamento da viagem. Cada uma pagaria as despesas por uma volta. Dagoberto, além de não precisar mais gastar seu próprio dinheiro, ainda ganhava uma bolada a mais. Lembrava-se de seu pai, conformado com a pobreza, que vaticinava “o rio só corre pro mar”, referindo-se à facilidade que os ricos têm de duplicarem suas fortunas, enquanto os pobres dobram sua pobreza.
No final da segunda volta ao mundo, Lucinda aportou mostrando sua barriguinha de três meses de gravidez.
Quando completou a terceira volta, a capital potiguar conheceu o pequeno Dagoberto Júnior no colo do pai orgulhoso e barbudo.
Fez-se a quarta volta sem novidades, mares de almirante. Nos portos estrangeiros eram recebidos como velhos amigos e mais uma grande festa na chegada à esquina do nordeste brasileiro.
Já conhecendo os segredos dos oceanos, a última viagem não mostrou dificuldade. Navegação tranqüila mesmo quando se deparavam com uma tempestade ou encarando as vagas perigosas abaixo da Terra do Fogo. Havia somente a ansiedade de se pagar a promessa feita ao santo.
Por quase cinco anos Dagoberto viveu em seu barco sem conhecer os portos, as ilhas, os arrecifes ou qualquer piso sem o balanço das ondas. Por todo esse tempo honrou o que prometera e ficava feliz em fazer o que dissera ao santo que faria. Seu pai o havia ensinado a sempre cumprir com sua palavra, assim se fazem os verdadeiros homens.
Ao avistarem as terras de Natal, foram cercados por dezenas de barcos de todos os calados e tamanho, duas corvetas da Marinha de Guerra os escoltaram, no porto a banda marcial, almirantes, governador, prefeito, o arcebispo, repórteres de todos os lugares e todas as imprensas, juízes do Guiness Book, milhares de estudantes com bandeirinhas do Brasil e do estado, os patrocinadores... A cidade parara para receber a família aventureira com chuva de papel picado e serpentina. Uma festa como há muito não se via.
O trapiche onde desembarcaria e por onde desfilaria estava limpo e decorado com flores e fitas verdes e amarelas. A multidão gritava seu nome e aplaudia.
Quando pisou na esteira de madeira, sentiu a falta das marolas. Desacostumara de andar em piso que não balançava. Ao tentar dar o primeiro passo sentiu vertigem, o corpo tombou penso para o lado direito, Dagoberto procurava o equilíbrio que não vinha e, como um bêbado, despencou no mar.
segunda-feira, 19 de janeiro de 2009
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