Passava pouco das duas da madrugada quando Ambrósio estacionou o carro em frente à casa de Veraneide. Vinham de uma noitada com amigos comuns, onde se conheceram. De cara o rapaz se interessara pela beleza e espontaneidade de Veraneide, de quem não desgrudara por toda a noite.
Ela não cedeu aos seus encantos e insistência, mas permitiu que a levasse para casa, uma bela casa em estilo colonial num condomínio fechado, com jardins amplos e bem cuidados, segurança permanente e armada. Naquele sossego, Ambrósio viu a oportunidade ideal e final de fazer suas investidas. Desligou o motor, já virando-se para o lado a fim de olhá-la nos olhos, seguro que a um olhar profundo e meloso, daqueles que refletem franqueza e paixão, dificilmente as meninas resistiam. Encontrou, porém, não um olhar romântico e interessado, mas cenhos franzidos virados para o enorme canteiro que separava as duas pistas.
- Que foi? Que houve?
Ao mesmo tempo em que perguntava, virava a cabeça na direção do olhar da acompanhante. Em pé, de costas para eles, uns cinqüenta metros distante, um rapaz alto, vestindo uma bermuda azul e camiseta branca, andava de um lado para o outro sem desviar a vista da casa de dois andares e luzes apagadas.
- Quem é o cara?
- Não sei, mas me lembra o Angelim.
- Quem é Angelim?
- O ex-namorado da menina que morava ali.
- Ih! Já vi esse filme. O corninho tá achando que vai reconquistar a ex no meio da madrugada. Esses manés bebem umas e ficam românticos. – Sem perder a oportunidade, emenda – Têm que aprender a ser romântico o tempo todo, assim como eu.
- Ele sabe que não vai...
- Ele quem? Sabe que não vai o quê?
- O Angelim sabe que não vai reconquistar a Belza.
- Como é que cê sabe? Ela te falou?
- Ela não mora mais ali. Não mora mais em lugar nenhum.
- Comequié? Papo estranho...
- Ela morreu.
- Vixe! Se ela morreu, o que ele tá fazendo ali? Matando a saudade?
- Isso é que é estranho. Ela se matou porque não queria casar. As famílias insistiam, o Angelim não largava do pé dela. A única saída que arrumou para fugir da pressão, foi cortar os pulsos.
De repente Ambrósio sentiu que a noite cálida e estrelada tornara-se gélida, ou talvez fosse apenas o arrepio subindo pelo espinhaço até arrepiar a nuca.
- Cruz, credo! Quem se mata vai pro Inferno. – Se benzia enquanto falava.
A noite até podia não ter esfriado, mas o fogo em sua virilha sumira. Já virava-se para se despedir e marcar alguma coisa para amanhã, quando deu-se por Veraneide abrindo a porta.
- Peraí, não vai nem dizer tchau?
- Vou lá falar com ele.
- Peraí, peraí. E se ele estiver drogado? Se estiver armado a fim de fazer uma loucura ele também? Vai, não. Fica aqui.
Ela não lhe dava ouvidos, já estava do lado de fora e batendo a porta.
Droga! O que a gente não faz por uma mulher bonita? Se fosse embora agora, perderia qualquer chance de um encontro futuro. Desceu do carro, contornou-o rapidamente impedindo o caminho da garota.
- Tá legal, eu vou lá e digo a ele que você quer conversar. Assim eu protejo você caso ele tenha uma arma.
Garoto esperto. Fazia um favor e ainda vestia a armadura de cavaleiro protetor. Ponto para ele.
Sem responder com palavras, ela acenou positivamente com a cabeça.
Não podia dar pra trás. Sem muita firmeza, virou-se em direção a Angelim, a adrenalina misturando-se no sangue, fazendo o chão ficar mais macio sob os pés que se moviam contra a vontade do cérebro, devagar, hesitante. Deu uma olhadinha para trás na esperança de ela o chamasse de volta, o que não aconteceu. Onde fora se meter?
A cada passo, mais fria a noite ficava. Já imaginava urinando nas calças, tanto era seu temor.
Deu uma paradinha, respirou fundo, encheu-se de coragem. Que porra poderia acontecer? O moleque era um palito e não um rato de academia como ele, não daria nem para o começo caso engrossasse. Era apenas um fracote chorando a morte da namorada. Otário! Com tanta mulher solta por aí...
Ouviu um rumor de pés às suas costas. Virou-se de um pulo, quase trombando com Veraneide. Irritado, quase sussurrando:
- Pô! Não disse para esperar lá? Fica aqui!
Ela ficou, mas não o olhava. Fixava a vista no rapazola que já não ia e vinha. Estava parado, de costas para eles apenas dez metros à frente, olhar grudado na janela apagada do primeiro andar.
Ambrósio voltou a andar, agora encorajado. A presença de Veraneide o ajudara a quebrar a tensão em que se encontrava. Parou a um passo de Angelim e o chamou, “ei”. Nem um músculo se mexeu como resposta. Insistiu, “ô! Cara!”. Nada. Esticou o braço, apelaria para o toque, impossível ser ignorado. Mas seu dedo não encontrou nada. Angelim sumiu como a imagem de um televisor quando falta energia. Puf!
Ambrósio não gritou, o grito saiu vivo, por vontade própria, apenas um “ah!”, curto, seco. A mão recuou como se tivesse sofrido um choque elétrico. A cor de suas faces sumiu quase tão rápido quanto a imagem de Angelim. Apavorado, urinado, virou-se a jato pronto para correr para o carro e sumir dali para sempre, deu de cara com Belza nas roupas de Veraneide abraçada a Angelim, os dois olhando-o fixo, um sorriso malévolo nas pontas do lábios.
Encontrado pelos vigilantes do condomínio na manhã seguinte, catatônico, Ambrósio vive numa clínica psiquiátrica e é medicado após cada crise que tem ao ver alguém de calça jeans e camiseta branca.
segunda-feira, 19 de janeiro de 2009
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