Tornou-se um par ímpar, diferente em quase tudo. Suas vidas intercederam-se quando, num desses encontros inexplicáveis da vida, se bateram em frente a uma estante de poesias na livraria do bairro.
Ele procurava Vinícius por paixão pela poesia do Poetinha, ela procurava em Vinícius uma companhia para as madrugadas insones.
Bearrice não dormia havia anos. Não era uma doença, somente uma companheira constante. Simplesmente não dormia. Gastava as horas lendo ou escrevendo. Não sentia cansaço, fadiga e nem mau humor. Apenas não dormia.
Lembrava que seu último sono longo fora há dois anos quando abrasava uma paixão feliz e incontrolável por Zenildo. Foi um amor de meses que se acabou com a transferência do rapaz para Santarém. Com seu próprio negócio e uma vida cheia de compromissos, ela não pôde acompanhá-lo e as noites acordadas voltaram.
Foi aí que percebeu que por toda a vida só dormira bem quando estava feliz.
Com Mateneu ocorria o oposto, dormia quando bem queria. Com vida solitária, sem amante ou grandes paixões, dormia para livrar-se dos dias vazios. Na leitura e nos sonhos vivia aventuras, romances correspondidos e completos. Seu dia se resumia às oito horas de trabalho e às obrigações chatas da vida de adulto. Cumpridos os compromissos, se atirava na cama com um livro e lia até o sono chegar. E sonhava com o que lera. Já fora D’Artagnan, Quixote, Eduardo Marciano, Macunaíma, Vadinho... Acordado era apenas mais um bedel da prefeitura. Os sonhos eram mais divertidos.
Aquele último Vinícius na prateleira encarregou-se de provocar o encontro com que ambos fantasiavam encontrar.
Cavalheirescamente, ele ofereceu à loira Bearrice a prioridade da compra. Ela, já com todos os demais livros do velho Vina na prateleira, insistiu para que ele levasse aquele. Enquanto discutiam quem ficaria com o livro, sentaram-se para um cafezinho, ali mesmo, na livraria. Aos poucos a conversa foi tomando outros rumos, suas próprias vidas, nomes, afazeres... Essas conversas próprias de quem acaba de se conhecer e que não deseja a separação breve.
Quando receberam o aviso do funcionário que a livraria estava fechando, perceberam o quanto conversaram. Era hora da decisão. Ele ganhou. Bearrice ficaria com o livro e, depois de lê-lo, o emprestaria a Mateneu. Trocaram os números de telefones com o compromisso de um novo cafezinho logo, logo.
Cada um para seu lado e um gostinho bom durante a insônia dela e as viagens noturnas dele.
Aquela madrugada ela atravessou folheando a lista telefônica, número por número, em busca do endereço do rapaz. Ele dormia com ela entre nuvens.
Nas primeiras horas da manhã ele recebeu das mãos de um estafeta o livro em embrulho colorido e dedicatória singela. Para retribuir o carinho e o presente, sem saber qual dos dois fora mais tocante, retirou do bolso o papelzinho em que anotara o nome da loura e a convidou para um jantar.
Mais uma despedida difícil à noite. A comida foi detalhe que degustaram aos pouquinhos para que não houvesse fim, não o jantar, mas a companhia. Falaram de suas vidas sem omitir detalhes, um queria que o outro soubesse tudo a seu respeito e queria saber tudo do outro. Muito foi dito, tudo foi ouvido e as horas passavam.
Alta madrugada foram novamente enxotados pelo último funcionário.
A vontade de não se separarem foi maior que a timidez e a pudicícia. Ela tomou a iniciativa e o convidou para irem à sua casa. Não houve titubeação, a resposta veio rápida.
Desde aquela noite, na mesma cama, ela dorme como uma criança, sorriso nos lábios e ele atravessa as noites velando para que a felicidade não acabe.
segunda-feira, 19 de janeiro de 2009
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