segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Rapel

Atanagildo havia aceitado o convite de Siderlene, sua musa das noites mal dormidas, para fazer rapel. Domingo, cedinho, a garota o pegou em casa e partiram para o campo. No carro de Siderlene iam mais duas amigas e todas aquelas tralhas de cordas e mosquetões.

Aos poucos, enquanto despertava de vez, Atanagildo começa a tomar consciência da besteira que fizera. Para impressionar a garota, amante da vida ao ar livre e de esportes radicais, e sob o efeito de duas doses de uísque aceitara o convite sem ter-se questionado se seria capaz de realizar tal tarefa. Estava percebendo sua acrofobia adormecida acordar.

Garoto do interior, onde os prédios mais altos não passavam de sobrados de dois andares, Atanagildo lembrava agora do dia em que fora visitar o primo, morador do décimo primeiro andar de um prédio na Barra, em Salvador. Impressionado com a vista que se tinha do mar, saiu para a varanda. Lembrava agora como se agora estivesse vivendo aquilo, do frio que sentiu percorrer o espinhaço, da vertigem, da sudorese quando olhou para baixo e viu a avenida com seus carrinhos de brinquedo, de como teve que segurar-se com força no parapeito da varanda para não desmaiar, de como gritava histérico e de como o primo teve que conduzi-lo de volta para dentro do apartamento.

De volta à realidade, perguntava-se por que fora tão covarde a ponto de não admitir seu medo de altura. Ela entenderia, saberia que não é uma coisa consciente, mas, não, o bobão tinha que topar o convite e se via dentro de um carro, com três lindas e aventureiras garotas, tendo a certeza que estaria sendo motivo de piedade e chacota dentro de uma hora.

Meia hora de subida por uma estrada de terra sinuosa, por entre árvores e pastos, chegaram ao platô onde já havia uma pequena multidão os esperando. Naquele ambiente em que se era possível sentir não só o cheiro, mas uma névoa de adrenalina, a adrenalina de Atanagildo empestava o ambiente e sua cueca.

Um bonitão com cara de super-herói de quadrinhos convocou os novatos para as instruções sobre o uso do equipamento e as medidas de segurança.

Atanagildo ficou um pouquinho aliviado ao perceber que, além dele, haviam mais doze novatos. Entre tantos poderia se esconder melhor e, talvez, passar desapercebido.

Tudo ia bem enquanto as instruções não passavam de nós, cordas, grampos, posição, como segurar a corda, o que evitar fazer e coisas tais. O instrutor instruía e Atanagildo fazia caras e bocas, demonstrando que entendia tudinho, que não teria dificuldade em praticar. Uma segurança de faz de conta.

Aos poucos começaram as descidas numa seqüência acordada entre os veteranos. Descia um antigo, depois um novato e assim se sucederiam. Um veterano, um novato, um veterano, um novato... Cavalheirescamente, Atanagildo ofereceu-se para ser o último. Para os outros foi uma atitude simpática, para ele foi um tempo a mais para pensar o que fazer para não descer. Chegar à beira do precipício estava totalmente fora de cogitação.

Siderlene foi a quarta veterana. Vendo-se sem os olhares de simpatia e admiração da amiga, sem ter pensado em nenhuma saída honrosa, Atanagildo embrenhou-se na mata e levou três dias de caminhada para cobrir os sessenta quilômetros, evitando estradas e humanos, até sua casa, de onde não sai há um mês.

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