Foi aqui nessa casinha que aconteceu, como acontecia todos os dias, por muitos dias. Da janela, todo final de tarde, Geraldino via Sanderlice aparecer lá no alto da ladeira, a via descer e desaparecer antes da subida seguinte que demorava mais de duas horas, mais de três. Ela chegava ofegante, descabelada e com cheiro de suor de homem.
Geraldino não reclamava nem tinha tempo de reclamar. Recebia murro na orelha, pisão nas partes, gritos no ouvido porque a janta estava fria, porque a casa estava suja, por motivo nenhum, apenas por hábito.
No início a vizinhança estranhava. Como aquele homem agüentava tudo calado? Depois se conformou com o conformismo de Geraldino. A cada boca da noite, a mesma coisa. Geraldino via Sanderlice descer a ladeira e esperava a subida demorada para o lado de cá. Em quatro épocas diferentes a viu subir buchuda.
Nasceu o gazo com a cara de Judécio; nasceu um indiozinho parecido com Tucuna; nasceu um amarelinho de olhos rasgados e cabelos iguais ao do Katedi; por último a esposa pariu um negrinho, cópia perfeita de Cateu.
Geraldino nunca reclamou, não tinha tempo. Antes de falar, lá vinha o tabefe, o chute no saco, os gritos. Quando Sanderlice estava pesada em sua prenhice e se movimentava com mais dificuldade, apelava para o cabo da vassoura, a corda da rede ou qualquer coisa que causasse dor e estrago. Geraldino, calado.
Um dia, o marido lá, pôr-do-Sol, na janela, vê Sanderlice descer a ladeira de mãos dadas com Ordélia. Estranhou na primeira vez; na segunda, desconfiou; quando viu o beijo, se destemperou.
Madou os quatro filhos para a casa dos avós e deu uma surra em Sanderlice que ela jamais esqueceria. Dois meses de cama, pernas, braços e cara quebrados de tanta pancada pela sem vergonhice de trocá-lo por uma mulher.
segunda-feira, 19 de janeiro de 2009
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