segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

O Mistério da Vida

- Por favor, sente-se. Pode ficar à vontade.
- Obrigado.
- Em que posso ajudá-lo?
- É meio difícil começar. Não sei por onde.
- Tem algo em particular que o aflige? Tem algum problema grave?
- Não, doutor, talvez esse seja o problema, não tenho problemas.
- O que o trouxe aqui?
- Posso chamá-lo de Eduardo?
- Claro, é meu nome.
- Assim posso imaginar que converso com um amigo, fica mais fácil.
- Me chame de Eduardo, sem problema. Mas, o que tem que ficar claro para o senhor, é que não somos amigos. Sou um especialista que pode ajudá-lo. Não que eu não queira ser seu amigo, mas, aqui, nossa relação é profissional.
- Não se preocupe, Eduardo, não tenho complexo de exclusão. Aliás, não tenho qualquer complexo. Pelo menos que eu saiba.
- Pelo visto o senhor conhece alguns jargões psicanalíticos...
- Pois é, há anos venho lendo sobre filosofia, antropologia, sociologia, psicologia, religiões... Tudo para encontrar um sentido para a vida.
- Qual a sua formação?
- Sou arquiteto.
- Sei, um homem das exatas.
- Mas essa minha inquietação vem desde muito antes da faculdade.
- O senhor acha que só terá sossego quando encontrar uma explicação lógica e racional para a existência da vida, é isso?
- Eduardo, qual é a única certeza que temos?
- ...
- Vamos lá, me diga. É o que diz todo mundo e é a única certeza absoluta.
- A morte?
- Exato, a morte. A única certeza que temos é que cada um de nós morrerá um dia. Só que a morte é um piscar de olhos. Se a vida fosse um livro, a morte seria o ponto final. Não existe um livro sem ponto final. Um livro, para ser bom, tem que ter um enredo imprevisível. Se você souber o que vai encontrar na próxima página, o livro não tem graça.
- E o senhor quer entender o enredo da vida.
- Para isso eu tenho que entender por que ele foi escrito, com que intenção, entende?
- Unrum.
- Nessa busca de anos, encontro milhões de certezas. Cada pensador, cada filósofo e até mesmo pessoas comuns que encontro pelas ruas, todos têm certezas incontestáveis, pelo menos para si próprios. Os que não conseguem dissertar a respeito culpam Deus, o destino ou qualquer outra coisa ainda mais inexplicável que o próprio Deus. Só que cada explicação me desperta mais perguntas que respostas. São muito vazias, cheias de espaço em branco. Menos a morte. Esta é exata, mais rápida que um suspiro.
- Tem gente que leva anos doente, em depauperação do organismo, até que a morte venha.
- Mesmo moribundos, ainda estão vivos. Vivo, vivo, vivo... Morto. Pronto, a morte é só isso. Um suspiro. Ela é simples de entender. É o fim, simplesmente.
- O senhor, então, não acredita em vida pós morte, reencarnação, céu, inferno... essas coisas.
- Eduardo, a vida, que está aqui em cima, à minha frente, à volta de mim, eu não entendo, vê se vou me preocupar em entender o pós morte.
- O senhor teria dificuldade de simplesmente viver ao invés de preocupar-se tanto em entender a morte.
- Mas eu não sou diferente de qualquer outra pessoa nesse ponto. Jesus Cristo explicou a vida, Nietzsche explicou, Picasso, Carla Perez... Todo mundo acha que entende a vida, se convencem disso e não se questionam mais, só que eu sei que lá no fundo, no seu íntimo, apenas recusam-se a discutir, a analisarem outras ópticas. É como sofrer calado. Se preocupam apenas em levar a vida da melhor maneira dentro daquilo que acreditam ser a vida. Você também deve ser assim, todos são.
- E o senhor diz que não tem problemas...
- E não tenho mesmo. Tenho uma profissão que adoro, a família que qualquer homem desejaria, uma renda altamente satisfatória, projetos e obras elogiados, o carro que quero, nome respeitado... do ponto de vista simplista de encarar a vida, não tenho qualquer problema. Apenas não sei pra que tudo isso.
- Pense assim: Milhares de pensadores, religiosos, filósofos, por milhares de anos não conseguiram desvendar esse mistério e eles só tinham tempo para isso, por que você é quem tem que decifrar esse mistério?
- Qual é, Eduardo? Se Santos Dumont tivesse pensado assim, até hoje estaríamos viajando em lombo de burro. Mas não quero decifrar nada, apenas entender. Acabou minha hora?
- É, acabou.
- E quando nos vemos de novo?
- Você tem algum compromisso agora?
- Não tô à toa.
- Que tal a gente terminar esse papo tomando uma cerveja?
- Beleza! Conheço um boteco que tem um bolinho de bacalhau que é uma beleza.

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