Foi um garoto criado em berço de ouro e acabado no gueto de lodo.
Pietro Saint-Arnour Friedrich ganhara um nome bem ao gosto europeizado dos pais, gente rica das terras roxas, plantadores de café e de vacas leiteiras holandesas, lógico. Assim fechavam o ciclo. O pai, Antenor, tinha planos de plantar trigo em alguma terra a ser comprada no sul, assim venderia o breakfast completo.
Ao pimpolho todos os luxos, desde a ama de leite até o enxoval de seda chinesa; dos tutores, não apenas professores particulares, ao tratamento semanal de beleza completa, cabelos, pele e unhas; dos passeios às estâncias minerais às aulas de piano e valsa. Um pequeno lorde no calor interiorano que não dispensava o suéter de cashemere.
A mãe, refinada dama estudada na França, fazia questão dos mimos. O pai, sujeito mal talhado para as finas rodas aceitava, não discutia. Dera o golpe do baú, teria que pagar um preço, fosse qual fosse, desde que não se indispusesse com a família da esposa a quem dedicara todo o tipo de puxação de saco e agrados até conseguir sua confiança. Pietro não trabalharia na lida do campo, de qualquer maneira, não precisaria se sujar de terra e nem tratar com os peões. Tanto melhor, assim ninguém meteria o bedelho nos negócios que fazia.
Quando o garoto fez quinze anos, o pai insistiu em mandá-lo para o internato na capital. Argumentava com a esposa que sua educação estaria completa, que se envolveria com pessoas de sua classe e categoria, ficaria distante daqueles bugres e trogloditas doidos para enfiar uma filha mal cheirosa sob as cobertas do rapazola. Tanto falou, dia após dia, que terminou convencendo madame Therèse.
Acabou janeiro, o garoto voltando de suas férias em Bariloche, sequer desfez as malas. Partiu na manhã seguinte para São Paulo. Seguiram-se três anos de internato, aulas de piano e dança, francês e italiano, compras e saraus, descidas a algum resort na praia com colegas da high society, filhos de industriais, senadores, generais e almirantes, a crème de la crème.
Saudades de casa? Qual o quê! Umas cartinhas e visitas sazonais da mãe curavam isso rapidinho, ou um passeio demorado pelas lojas de grife. A mesada era maior que a folha salarial de todos os professores que tinha. Nada mais contava. Provavelmente as fazendas iam muito bem, o pai enriquecia e não esquecia dele, embora jamais um telegrama, um telefone, qualquer notícia.
Um dia a bomba.
Madame Therèse havia morrido. Antenor envolvera-se com uma amante argentina perdulária e luxenta. Junto com a missiva o documento registrado em cartório, firma reconhecida e deferimento do doutor juiz, três testemunhas idôneas: Pietro recebia sua emancipação. Nada mais de mesada, nada mais de paparicos, a rematrícula no internato não fora confirmada.
Procurou advogados, mas lhe tiraram as esperanças, estava por sua conta e risco. Muitas contas, diga-se de passagem, e riscos que não conhecia.
Expulso dos alojamentos, mudou-se para um hotel, o mais luxuoso, lógico. Uma semana bastou para perceber que não teria como manter-se ali. Começava a descer os degraus sociais, de hotel em hotel até chegar a uma pensão no subúrbio. Paralelamente a isso, procurava emprego de dia, jogava-se na esbórnia à noite. Os amigos ricos sumiram, as moçoilas casadoiras desaparecerem com a fumaça de seu último cigarro importado. Os convites para festas e saraus, sumiram junto com o carteiro.
Num desses bares, que também diminuíam em qualidade, bêbado, desesperado e solitário, assistiu a um espetáculo de dança, uma pantomima esdrúxula, na qual três rapazes faziam as vezes de mulheres e ocupavam-se em disputar as atenções e o dinheiro de um rapazola bem apessoado e de algibeira gorda.
Algo lhe atraiu ali. Não sabia se a desenvoltura dos travestis ou a beleza do rapaz disputado. Envergonhado, percebeu que se excitara com todos os quatro.
Voltou na noite seguinte e arrumou um jeito de ir ao camarim depois do show. Na tristeza em que andava, a alegria do quarteto o contagiou. A princípio tenso com a libertinagem que sentia nos abraços, pegações e beijos do quarteto entre si, logo viu-se com vontade de formar um quinteto.
Não tinha mais nada a perder na vida, a não ser as culpas judaico-romanas que lhe foram incutidas desde a infância. Mas aquela infância fora para outra vida adulta, não a que levava agora. Um pária.
Foi aceito no grupo. Recebeu lições de como vestir-se e despir-se, de como andar e dançar, do que beber e com quem sair.
Tornou-se, em pouco tempo, a estrela das noites de quinta-feira, a noite dos motoristas e motorneiros. Quando não está no palco ou nos braços de um homem fedendo a suor e tráfego, está trancado no quarto com seu narguilé de ópio.
segunda-feira, 19 de janeiro de 2009
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